A ceia

A dor tomava conta de seu corpo. Cada centímetro de sua carne estava machucado. O gosto de sangue em sua boca o fazia ter ânsia de vômito. Seus dentes estavam soltos e alguns nem existiam mais em seus lugares. Estava perdido. Todos os pensamentos que vinham em sua cabeça, naquele instante, eram absolutamente incoerentes. Pequenos flashes de memórias o faziam contorcer-se. Era como se cada lembrança desferisse golpes que o açoitavam. Estava envolto num estado tão desesperador de medo, que não conseguia proferir nenhuma palavra. Seus olhos eram as únicas coisas que descreviam seu estado de temor doentio. Estava com medo, com fome, com dor... Sabia que mais alguns minutos, ali naquele beco, eram suficientes para extinguir o restante de sua vida. Tudo fedia, o ar misturava o odor pútrido dos esgotos com o de combustível queimado. O sangue azedo, seus excrementos. Tudo isso fedia. Tudo isso infectava seus pulmões. Era questão de tempo até seu corpo desfalecer e sua carne começar a entrar em decomposição. Ratos já começavam a arrancar pedaços de suas extremidades. Dedos, orelhas... Seu pênis... Aos poucos iam sendo devorados pelos roedores. Sentia o beliscão de cada mordida. Sentia seus membros serem arrancados a cada dentada e não podia fazer nada. Suas forças eram insuficientes até para gritar. Isso o deixava, ainda mais, desesperado. Estava sendo comido vivo por ratos e era uma questão de tempo para que animais maiores e, também, famintos, começassem a se deliciar de sua carne! Tentava de todas as formas gritar. Más cada tentativa era sufocada com sangue que o engasgava. Os ratos já haviam arrancado uma de suas orelhas e dois de seus dedos de um de seus pés e mesmo assim, eles pareciam ainda mais famintos. Um banquete farto pra os ratos daquele beco. Tão farto que , quando os primeiros cachorros e gatos de rua começaram a se aproximar e a se deleitar com a carne do individuo, nenhum dos animais se sentiu incomodado com a presença um do outro. Sabiam que tinham alimento suficiente para cada animal faminto daquele beco! As tentavas de sobreviver eram inúteis. Estava tão machucado que estava sendo impossível uma reação a aqueles animais que o mastigavam com tamanha voracidade. Sua vida estava esvaindo-se com cada pedaço que era arrancado de seu corpo. Assistiu desesperadamente seu corpo sendo devorado. Assistiu tudo! Até quando sua garganta foi aberta a mordidas e também quando suas entranhas foram arrancadas. Assistiu tudo! Assistiu a cada fração que presidiu sua morte!